quinta-feira, 1 de março de 2007

A passagem das horas

Encostada à amurada da ponte, de costas
para o rio, sorri para a fotografia. Há pouco
a dizer de um enquadramento assim, que
se entende querer servir apenas de horizonte
de viagem, umas férias, talvez, nada de
particularmente artístico ou trabalhado.
E no entanto, com estranha pertinácia,
o sol põe-se todos os dias na fotografia.
Quer dizer, no céu (matinal?) as cores claras
e fixas vão acompanhando as horas, numa
metamorfose subtil que gradualmente pinta
de rosado o canto superior esquerdo da
fotografia. Na combustão da tarde, o próprio rio
ganha matizes insuspeitos; e no fim do dia
a água é já claramente um espelho opaco
em nítido movimento rumo à linha de fuga,
à direita, na fotografia. Só a personagem
permanece imóvel, de costas na amurada,
muito embora uma sombra se insinue ténue,
esbatendo as linhas do casaco azul.

(Em Berlim, Setembro de 2005, sobre o rio Spree)

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